Escrita de outrora - Reunião

06/02/2011 - Reunião

Nada do que acontecera antes poderia prever ou explicar aquela cena. Os dois homens se entreolhavam como se seus olhos conversassem. Eles se conheciam tão bem que não era necessário trocar uma única palavra, podiam prever o que seria dito.

- Por favor. Eu te avisei. Você sabia. - Um homem alto que vestia uma roupa calça social risca de giz e uma camiseta azul coberta por um jaleco branco cortou o silêncio.

- Eu simplesmente não acreditei. Nunca poderia acreditar nisso. Eu me forçava a não acreditar. - O segundo homem tinha um porte e um tom de voz que mostravam superioridade ao seu ouvinte, mas vestia apenas uma calça jeans rasgada e esburacada e um colar prateado. Seu peito, braços estavam sujos, enlameados e cobertos de sangue e feridas.

Uma possível hierarquia ficava mais clara, pois o homem com o jaleco estava sentado em uma cadeira em frente a uma pequena mesa de madeira enquanto o outro estava de pé do outro lado do móvel de jacarandá.

- Escute Andrew. Eles pediram por isso. Pediram-nos para criar algo que não poderia ser criado e eu tinha de convencê-los disso. - Disse enquanto tirava seu crachá e seu jaleco e colocava sobre a mesa.

A foto do documento mostrava o rosto de um homem forte, com barba mal feita e um cabelo loiro e bem penteado. Porém, o homem que agora esfregava os olhos e apoiava-se na mesa enquanto apontava para uma cadeira onde seu colega podia sentar-se aparentava estar cansado, tinha a barba grande, grossa e desarrumada, assim como seu cabelo.

- A sim. Brilhante idéia. Realmente funcionou. E como você pretende chamar essa nova doença que VOCÊ criou? Mal de Santos? Seria uma linda homenagem a você Túlio. - Andrew expressou-se com extrema calma, mas ao final chutou a cadeira que lhe foi mostrada, fazendo com que o móvel atravessa-se a pequena sala, chocando com a parede de concreto sólido.

- Não. Inventaria outro nome. Nunca gostei muito desse meu sobrenome. Além do que faria as pessoas se confundirem. O epicentro não foi a baixada. O sarcasmo de Túlio fez com que Andrew ficasse extremamente nervoso. Com uma força sobre-humana arremessou a mesa, que se dividiu em vários pedaços ao encontrar um obstáculo, e levantou o outro homem pelo pescoço.

- Então é por isso que está tão nervoso. Você está doente. - A voz fraca e rouca devido à garganta obstruída era interessada e encantada assim como seu olhar. - Não entenda isso como o fim do mundo. Há pontos fortes. Podemos criar uma vacina. Você pode aprender a controlar isso. O olhar e as palavras de Túlio foi de encontro a algo enterrado no fundo do coração de Andrew. Sua mente começou a fervilhar de lembranças. Seus braços tremeram e sua cabeça começou a arder. Por alguns instantes esteve em outros lugares e o silêncio se manteve na área. Ao voltar a si, seus olhos estavam cobertos por lágrimas que por pouco não encontravam seu trajeto pelo rosto machucado.

- Você está se divertindo? Está gostando de ficar enclausurado em uma sala minúscula nos subsolos de uma cidade abandonada ao caos? Ou apenas gosta de ficar nesse seu traje social brincado de cientista? - Gritou, arremessando o homem até a parede do outro lado da sala que bateu na parede arfou de dor e cuspiu sangue enquanto tentava levantar. Túlio limpou as lágrimas com o verso das mãos, virou-se e admirou o homem que tentava colocar força nos músculos dos braços ao tentar se levantar e fracassava. Ficou olhando aquela cena por mais alguns segundos até se cansar daquilo e voltar sua atenção para o crachá que pousava próximo ao homem caído.

- Você não tem idéia do que fiz. Do que eu estou me tornando. - disse pegando o crachá. - O grande cientista, ganhador de tantos prêmios, PHD, trabalhador para o governo quase não existe mais.

- Eu vi o que você irá se tornar. Eu tenho trabalhado com seres como você. Eu busco uma cura. E você pode me ajudar, basta se manter calmo. - Ele desistira de se levantar e apenas girou o corpo para poder olhar a sala. - Acho que você quebrou algum osso meu.

- Eu te falei que esse seu jeito insolente iria me irritar um dia. - Finalizou Andrew dirigindo-se à saída e pisando no abdômen de seu colega ao passar por ele.

- Espere. - Balbuciou Túlio quando Andrew girou a maçaneta e fez a forte porta de metal maciço girar com um grunhido de ferrugem. - Você não pode sair dessa porta no estado que está. Tem de ficar e esperar que eu o ajude. Se você transpassar essa porta o exército irá atrás de você.

- Andrew parou por um tempo, considerando o que acabara de ouvir e ignorou voltando apenas para pegar o jaleco branco, cobrir seu corpo desnudo parcialmente com ele e dirigir-se novamente para a saída. Perto à porta, Túlio segurou a perna do colega e falou:

- Para onde for sua carne morta não ganhará rubor. Seu peito não mais vibrará no ritmo de sua respiração, já que está não existirá mais. Seu coração não será capaz de sentir, seja ódio, ou seja, amor, nem mesmo seu sangue (antes quente e veloz) conseguirá mover. Seus olhos não estarão mais abertos em seu brilho majestoso, pois não terão uma alma para iluminar.

Igor Castañeda Ferreira


Nota do autor: Esse texto nasceu de uma tentativa de elaborar um roteiro que nasceu durante uma aula de roteiro para jogos.

Escrita de outrora - Confissão

19/07/2010 - Confissão

31 de Outubro

Olá,

Faz tempo que não nos vemos, muito tempo mesmo. Você pode não se lembrar de mim, não tem problema, sei que não sou uma pessoa muito marcante. Talvez seja até uma grande surpresa a chegada desse texto, o que é mais provável.

Se essa página for declarada campeã vai ser, provavelmente, a vigésima carta que tento escrever, não posso dar certeza porque já perdi a conta, se minha mãe não recolheu algum papel do chão é a vigésima. Acho que desde a primeira vez que falei com você esta é a minha tarefa mais complicada, me fogem as palavras.

Não sou mais o mesmo tímido que era antes, apesar de ainda carregar isso comigo, só não sou muito bom com palavras, sempre fui melhor ouvinte do que locutor. Até que, no papel, as coisas são mais fáceis, com certeza que se, um dia, esbarrar com você na rua só conseguirei sorrir e dizer oi, além de ficar vermelho como um tomate.

Possivelmente esse seria o dia mais feliz da minha vida desde o ensino médio. Eu sei que é meio deprimente, na verdade, muito deprimente, mas é que não tive muitas experiências de vida, minhas baladas foram leituras de Freud acompanhadas de um bom chocolate quente.

Escrevo tudo isso para poder me confessar, apesar da longa introdução é para isso que esta carta serve, me livrar de um fantasma. Inúmeras foram às vezes que ensaiei, pedi ajuda a algumas pessoas e criei esperanças, sem que chegasse ao ato, falta de coragem, por isso, inclusive, que faço isso através de uma carta.

Acho engraçado que esse meu martírio de dias começou com uma foto. Revirava meus armários na tentativa de abrir espaço para ternos. É, agora tenho de usar ternos, requisito do trabalho. Em uma caixa escondida estava todas as fotos da turma da antiga escola, da quinta à oitava série, exatamente o tempo em que estudamos juntos.

Aquilo foi extremamente forte pra mim, foi como viver todo aquele tempo de novo, eu senti novamente aquela maravilhosa dor, sentimento do qual senti tanta falta e, ao mesmo tempo, desejei perder. Ainda não consegui me separar das fotos, estão a minha frente, espalhadas em minha escrivaninha.

Pena que nunca tive coragem de tirar uma foto ao seu lado, este é um dos meus maiores arrependimentos. Não resisti e fui atrás do pessoal na internet, mas não tenho seu e-mail. Consegui achar algumas páginas de sites sociais suas, inclusive um fotoblog.

Vendo esse fotoblog que foi o ápice, ao ver que sua vida está bem, você está bem e os seus olhos continuam com uma beleza sobre-humana, cheios de vida e brilho. Não consegui afastar do meu peito isso que me tortura.

É na tentativa de afastar meu carrasco que lhe escrevo. Quero ver se me livrando do meu maior arrependimento eu consigo por a cabeça na cama e voltar a dormir sem sonhar com você e como a minha vida poderia ter sido se, naquela época, tivesse tido coragem para enfrentar a verdade.

Por favor, não se assuste, eu não sou um perseguidor ou alguém que passou a vida fissurado. Como falei foram as fotos que fizeram com que tudo isso voltasse ao meu coração. Fazia cerca de quatro anos que não sofria deste jeito, desde aquela festa junina, aquela que você não se lembrará.

Escolhi este dia porque era uma data que você realmente gostava, espero que ainda mantenha essa paixão. Foi uma grande inspiração. Parando para tentar lembrar o porquê da afeição com esta data que lembrei tudo que foste para mim.

Já deixei claro o que me levou a isso, eu acho. Só que nunca serei capaz de completamente dizer o que sinto, isso é uma das poucas coisas que tenho certeza. Vou tentar finalizar logo, meu peito não vai aguentar muito tempo, já está muito apertado, meu coração pede clemência.

Fui apaixonado por você. Essa frase é até estranha aos meus olhos, meu coração grita aos sete ventos essa verdade, mas meu cérebro não consegue concordar, não tenho como dizer isso porque nunca mais gostei de alguém como gostava de você, acho que não sei o que é amor.

Atenciosamente, Um sofredor.

Igor Castañeda Ferreira

Escrita de outrora - Fotos

18/07/2010 - Fotos

Já ouvi e vi em algumas produções que a cultura oriental, na inserção da máquina fotográfica, repudiou a foto com medo de que o dispositivo fosse capaz de absorver e aprisionar a alma.

Todos sabemos que isso não é verdade, mas acho incrível como a fotografia tem o poder em muitas situações. As vezes quando alguém pega uma foto de uma viagem de outra pessoa acha grotesco como o indivíduo aceita posar com uma cara de paisagem, só que quem está nessa foto e quem a tirou é varrido com com memórias e sentimentos.

Uma imagem pode não conseguir manter sua alma, porém carrega em si diversos sentimentos e “fantasmas”, usando-os contra as pessoas com uma precisão cirúrgica. Ela põe a mão em seu coração e o acaricia ou o aperta como se os dois fossem a mesma coisa.

Este é um poder que só as imagens inercias tem, já que exigem sua criatividade e memórias para que os passos possam ser refeitos, além de lhe dar uma clara e nítida descrição do se trata.

É possível rever formas, cores e, principalmente, olhares. Como aqueles de seu melhor amigo de infância, sua primeira paixão de escola, sua primeira desavença daquela pessoa que não vê a anos.

Estas ferramentas conseguem captar desde infravermelho até o mais claro arco-irís e, mas além disso, consegue captar momentos.

Igor Castañeda Ferreira