25 Ago 2024
19/07/2010 - Confissão
31 de Outubro
Olá,
Faz tempo que não nos vemos, muito tempo mesmo. Você pode não se lembrar de mim, não tem problema, sei que não sou uma pessoa muito marcante. Talvez seja até uma grande surpresa a chegada desse texto, o que é mais provável.
Se essa página for declarada campeã vai ser, provavelmente, a vigésima carta que tento escrever, não posso dar certeza porque já perdi a conta, se minha mãe não recolheu algum papel do chão é a vigésima. Acho que desde a primeira vez que falei com você esta é a minha tarefa mais complicada, me fogem as palavras.
Não sou mais o mesmo tímido que era antes, apesar de ainda carregar isso comigo, só não sou muito bom com palavras, sempre fui melhor ouvinte do que locutor. Até que, no papel, as coisas são mais fáceis, com certeza que se, um dia, esbarrar com você na rua só conseguirei sorrir e dizer oi, além de ficar vermelho como um tomate.
Possivelmente esse seria o dia mais feliz da minha vida desde o ensino médio. Eu sei que é meio deprimente, na verdade, muito deprimente, mas é que não tive muitas experiências de vida, minhas baladas foram leituras de Freud acompanhadas de um bom chocolate quente.
Escrevo tudo isso para poder me confessar, apesar da longa introdução é para isso que esta carta serve, me livrar de um fantasma. Inúmeras foram às vezes que ensaiei, pedi ajuda a algumas pessoas e criei esperanças, sem que chegasse ao ato, falta de coragem, por isso, inclusive, que faço isso através de uma carta.
Acho engraçado que esse meu martírio de dias começou com uma foto. Revirava meus armários na tentativa de abrir espaço para ternos. É, agora tenho de usar ternos, requisito do trabalho. Em uma caixa escondida estava todas as fotos da turma da antiga escola, da quinta à oitava série, exatamente o tempo em que estudamos juntos.
Aquilo foi extremamente forte pra mim, foi como viver todo aquele tempo de novo, eu senti novamente aquela maravilhosa dor, sentimento do qual senti tanta falta e, ao mesmo tempo, desejei perder. Ainda não consegui me separar das fotos, estão a minha frente, espalhadas em minha escrivaninha.
Pena que nunca tive coragem de tirar uma foto ao seu lado, este é um dos meus maiores arrependimentos. Não resisti e fui atrás do pessoal na internet, mas não tenho seu e-mail. Consegui achar algumas páginas de sites sociais suas, inclusive um fotoblog.
Vendo esse fotoblog que foi o ápice, ao ver que sua vida está bem, você está bem e os seus olhos continuam com uma beleza sobre-humana, cheios de vida e brilho. Não consegui afastar do meu peito isso que me tortura.
É na tentativa de afastar meu carrasco que lhe escrevo. Quero ver se me livrando do meu maior arrependimento eu consigo por a cabeça na cama e voltar a dormir sem sonhar com você e como a minha vida poderia ter sido se, naquela época, tivesse tido coragem para enfrentar a verdade.
Por favor, não se assuste, eu não sou um perseguidor ou alguém que passou a vida fissurado. Como falei foram as fotos que fizeram com que tudo isso voltasse ao meu coração. Fazia cerca de quatro anos que não sofria deste jeito, desde aquela festa junina, aquela que você não se lembrará.
Escolhi este dia porque era uma data que você realmente gostava, espero que ainda mantenha essa paixão. Foi uma grande inspiração. Parando para tentar lembrar o porquê da afeição com esta data que lembrei tudo que foste para mim.
Já deixei claro o que me levou a isso, eu acho. Só que nunca serei capaz de completamente dizer o que sinto, isso é uma das poucas coisas que tenho certeza. Vou tentar finalizar logo, meu peito não vai aguentar muito tempo, já está muito apertado, meu coração pede clemência.
Fui apaixonado por você. Essa frase é até estranha aos meus olhos, meu coração grita aos sete ventos essa verdade, mas meu cérebro não consegue concordar, não tenho como dizer isso porque nunca mais gostei de alguém como gostava de você, acho que não sei o que é amor.
Atenciosamente,
Um sofredor.
Igor Castañeda Ferreira
23 Ago 2024
18/07/2010 - Fotos
Já ouvi e vi em algumas produções que a cultura oriental, na inserção da máquina fotográfica, repudiou a foto com medo de que o dispositivo fosse capaz de absorver e aprisionar a alma.
Todos sabemos que isso não é verdade, mas acho incrível como a fotografia tem o poder em muitas situações. As vezes quando alguém pega uma foto de uma viagem de outra pessoa acha grotesco como o indivíduo aceita posar com uma cara de paisagem, só que quem está nessa foto e quem a tirou é varrido com com memórias e sentimentos.
Uma imagem pode não conseguir manter sua alma, porém carrega em si diversos sentimentos e “fantasmas”, usando-os contra as pessoas com uma precisão cirúrgica. Ela põe a mão em seu coração e o acaricia ou o aperta como se os dois fossem a mesma coisa.
Este é um poder que só as imagens inercias tem, já que exigem sua criatividade e memórias para que os passos possam ser refeitos, além de lhe dar uma clara e nítida descrição do se trata.
É possível rever formas, cores e, principalmente, olhares. Como aqueles de seu melhor amigo de infância, sua primeira paixão de escola, sua primeira desavença daquela pessoa que não vê a anos.
Estas ferramentas conseguem captar desde infravermelho até o mais claro arco-irís e, mas além disso, consegue captar momentos.
Igor Castañeda Ferreira
21 Ago 2024
16/07/2010 - Durante um verão
Décimo quinto. Com certeza era o décimo quinto. Era incrível como sempre perdia a conta depois do décimo, mas dessa vez tinha certeza, era o décimo quinto carro vermelho. Podia ter perdido a conta dos carros azuis e amarelos, mas agora estavam bem.
Desta vez tinha sido uma boa escolha, os cinzas e pretos nem valia tentar, os amarelos passavam muito raramente, complicador manter o número na cabeça, agora ficava muito mais fácil, vermelho é a frequência da contagem, se um dia precisar de algo para contar sua cor será vermelho.
Difícil manter a concentração em um dia ensolarado, ainda mais pra fazer uma redação. Caderno, lápis e borracha não foram feitos para serem usados para escrever e sim para desenhar, pra isso sim serviam. Uma prova eram as mais de cinco páginas rabiscadas com o melhor da arte abstrata.
Detestava aquela situação, um texto em prosa com tema livre. Fazer o quê? Uma dissertação? Uma tese? Um artigo? Uma ficção? Um relato? E ainda pior, sobre o quê? Tema livre? Isso não é tema, é tortura.
Durante toda a manhã, a única coisa que queria saber era qual mente maléfica mandaria fazer um texto em prosa com tema livre. Quando ia começar a escrever, a bagunça que a família fazia fez com que abandonasse a idéia de ficar no quarto.
Dentro da mochila estavam os fieis cadernos, lápis e borracha, além de alguns sanduíches, balas, uma barra de chocolate e revistas em quadrinhos, apenas como fonte de inspiração.
Depois de muito pensar, a melhor escolha era pegar a bicicleta e seguir para o parque central, lá seria um bom lugar para pensar, juntar fatos e decidir o que e sobre o que escrever. Pena que não podia ser um desenho seria mais fácil.
Desenhar era sempre livre, diferente de um texto, eles não nasceram para serem livres, pensava naquela época. O caminho ajudou muito a pensar, pena que chegando lá os garotos jogavam bola, todo o pequeno parágrafo introdutório se perdeu aos poucos durante os chutes.
Devia escrever, já estava ficando tarde, mas a criatividade sumiu. Hora dos quadrinhos, sabia que eles seriam úteis, quadrinhos sempre são úteis, lê-los iria estruturar as mais belas história envoltas nas maiores aventuras e com personagens envolventes.
Duro acreditar, mas nada foi escrito. Aqui foi o ponto da contagem de carros, uma tarefa extremamente exaustante, requer muito esforço e atenção. Principalmente por causa dos fuscas, eles parecem sempre conspirar pela falha. Sempre no momento em que um carro da sua cor vai virar a esquina um fusca acelera fazendo barulho, qualquer um olharia para o fusqueta.
Definitivamente essa era a tarefa mais dura de todas, como pode um jovem parar para escrever? Porque temos de escrever nas aulas de português? Essa foi uma dúvida que só foi respondida anos depois.
Dois dias depois, uma segunda feira, foi a data limite da entrega, um martírio. Só que, felizmente, a professora gostou da carta pedindo humildes desculpas de não ter escrito o texto. Para surpresa, grande surpresa, a carta também é considerada um texto.
Igor Castañeda Ferreira